PLAYERUNKNOWN revela como Prologue: Go Wayback! estabelece as bases para um jogo tão vasto quanto a própria Terra
A Amsterdã na qual a PLAYERUNKNOWN Productions está instalada não é aquela dos cartões-postais. Do outro lado das águas calmas do canal do Mar do Norte, longe das residências estreitas e do trânsito frenético das bicicletas que se acumulam no centro da cidade, fica o bairro de NDSM. Nomeado em homenagem à companhia de construção naval cujos estaleiros ocuparam a área até 1984, o NDSM entrou em decadência nos anos 90, antes que um projeto de revitalização começasse após o novo milênio.
Esse projeto ainda está em andamento, com canteiros de obras e terrenos abandonados espalhados entre bares modernos e edifícios de escritórios que hoje caracterizam o bairro. Na parede de um antigo galpão, hoje transformado em museu de arte urbana, há um enorme mural de Anne Frank. Atracado no cais de onde sai a balsa que cruza o canal do Mar do Norte, há um hotel flutuante (chamado "Botel") e, inclusive, um submarino amarelo.
É um espaço levemente surreal e separado de Amsterdã, mas, ao mesmo tempo, inescapavelmente parte dela. Quando pergunto a Brendan “PLAYERUNKNOWN” Greene por que ele escolheu essa área (e Amsterdã em geral) para fundar a PLAYERUNKNOWN Productions, sua resposta, a princípio, é pragmática: "Eu viajava muito com PUBG, no começo. Estava sempre rodando o mundo todo. E é aqui que fica o Aeroporto de Schiphol. Ou seja, existe um acesso fácil para qualquer lugar."
Depois, sua resposta ganha um tom mais pessoal. "Eu simplesmente gosto daqui, ainda mais deste lado do rio. É mais tranquilo. Alguém comentou que é quase como uma mini-Berlim."
Essa “mini-Berlim” do NDSM tem poucas semelhanças com Prologue: Go Wayback!, o jogo de sobrevivência de estreia da PLAYERUNKNOWN Productions, ambientado em uma natureza tempestuosa e repleta de florestas. Ainda assim, traz uma boa referência para entender o projeto. Go Wayback é, ao mesmo tempo, uma obra independente, um jogo completo por si só, e também parte de algo muito maior: um plano de dez anos para criar um espaço virtual com a escala e a complexidade do próprio planeta Terra.
Early DayZ
Esse projeto ainda mais ambicioso, com o codinome Project Artemis e descrito por Greene como uma mistura de Minecraft Survival Mode com uma versão 3D da internet, é difícil de ser imaginado por completo. Talvez isso explique por que Greene fala tão livremente sobre o assunto, enquanto conversamos em seu escritório com vista para o canal do Mar do Norte. Aos 49 anos, Greene se parece e se expressa como alguém de uma década mais jovem, e mais ainda quando fala com entusiasmo e de forma expansiva sobre sua grande visão.
As origens tanto de Go Wayback quanto do Project Artemis remontam ao primeiro contato de Greene com o jogo que o atraiu para a indústria: o mod de sobrevivência zumbi DayZ, criado para Arma 2.
"Enxerguei o potencial da plataforma, principalmente quando o assunto é jogabilidade emergente. Foi isso que fez eu me apaixonar", revela. "Ver esse tipo de jogo de sobrevivência, onde você cria a sua própria história em vez de seguir um caminho pré-definido, me causou muita empolgação."
Foi essa empolgação que levou Greene a criar DayZ: Battle Royale, que (através de outro mod desenvolvido para Arma 3) acabou o levando a trabalhar com a publisher sul-coreana Krafton na direção de PLAYERUNKNOWN’s Battlegrounds, ou simplesmente PUBG, hoje conhecido como PUBG: Battlegrounds.
PUBG transformou o "battle royale" no formato de tiro multijogador mais popular da última década. Seus princípios básicos (ou seja, jogadores vasculhando recursos e lutando em um campo de batalha que encolhe cada vez mais) inspiraram jogos como Fortnite, Apex Legends e até Warzone, derivado de Call of Duty.
Mas, para Greene, o apelo do PUBG estava tanto nos cenários autênticos e no realismo de sobrevivência herdado de DayZ quanto nas regras do jogo em si.
Após o sucesso de PUBG, Greene queria criar um jogo com aquele tipo de mundo realista, mas com um ciclo de sobrevivência mais aberto e uma comunidade moldada pelos próprios jogadores, como em Rust. "Sempre quis criar um jogo de sobrevivência maior, porque adoro o que acontece em Rust e nesse espaço emergente", conta. "Pensei que, com um mapa de 100x100 quilômetros, você poderia criar rotas comerciais ou, se houvesse uma montanha onde se soubesse que há ferro, talvez você pudesse virar um vendedor de ferro e ficar muito rico… ou então se tornar um senhor da guerra."
Em outras palavras, ele queria um jogo de sobrevivência em que "um helicóptero realmente fizesse a diferença". Greene explica: "Em DayZ, um helicóptero atravessa o mapa em trinta segundos ou um minuto, agora imagine reduzir uma viagem que levaria 10, 12 horas para só 10 minutos".
A PLAYERUNKNOWN Productions começou a trabalhar nesse projeto em 2019, ainda em parceria com a Krafton, mas as duas partes se separaram depois de alguns anos. Enquanto isso, a ideia de Greene se tornou ainda mais ambiciosa, evoluindo de um jogo de sobrevivência com 100x100 quilômetros para uma experiência em um mapa da dimensão da Terra, e que envolve muito mais do que apenas sobreviver.
Imaginar um jogo assim é uma coisa. Conseguir concretizá-lo é outra bem diferente. Greene admite que, até 18 meses atrás, a PLAYERUNKNOWN Productions ainda não sabia como torná-lo realidade. "Não tínhamos um plano concreto", explica. “A equipe de liderança que eu tinha no início, até cerca de um ano e meio atrás, não era a ideal para comandar o estúdio. Faltava experiência em desenvolvimento de jogos. Acho que eles também não compraram a minha visão por completo."
Greene também reconhece que ele próprio não tinha experiência suficiente para liderar um estúdio. "Eu era fotógrafo, designer gráfico… e de repente alguém me deu uma boa quantia de dinheiro e um estúdio", conta. "Como eu tinha pouca experiência, a curva de aprendizado foi bem intensa."
Esse cenário levou a PLAYERUNKNOWN Productions a recrutar uma nova equipe de liderança, que reformulou completamente o plano do projeto. "Eles se sentaram e disseram: 'A gente consegue fazer isso? Aqui está a visão. [Greene] quer criar mundos com escala planetária e milhões de jogadores, basicamente um espaço digital'", conta. "Depois de uns 10 minutos de dúvidas e hesitações, eles disseram: 'Uau, a gente consegue fazer isso', e voltaram com um plano."
Se o tempo permitir
Esse plano começou com a criação de dois produtos. O primeiro é Preface, uma demonstração jogável da tecnologia de geração procedural de planetas, chamada Melba, que no futuro vai impulsionar o Project Artemis. Preface foi lançado gratuitamente no final do ano passado. O segundo é Prologue: Go Wayback!, um jogo de sobrevivência desenvolvido na Unreal Engine, que incorpora os princípios mecânicos que, um dia, formarão a base sistêmica do Project Artemis.
Apesar de todas as ideias e da ambição em torno do projeto, a proposta de Go Wayback é surpreendentemente simples. Você joga como uma mulher chamada Lucy, e aparece em um local relativamente seguro: uma cabana aconchegante (ainda que um pouco deteriorada) em meio à floresta. Seu objetivo é atravessar um trecho de terreno que se estende por vários quilômetros até chegar a uma torre meteorológica no outro extremo do mapa. Durante a jornada, você precisará providenciar comida, hidratação e temperatura, acendendo fogueiras com materiais inflamáveis e se abrigando onde for possível.
Embora Greene supervisione o estúdio como um todo, o Diretor Criativo de Go Wayback é Scott Davidson, veterano britânico da indústria de jogos eletrônicos, com passagens pela Blitz Games e Rebellion, além de cinco anos na Facepunch Studios, onde atuou como Diretor de Arte em Rust. "Basicamente fui eu que deixei o visual de Rust no ponto em que ele entrou no acesso antecipado", conta. Foi justamente essa experiência que garantiu seu lugar na PLAYERUNKNOWN Productions. "Quando li o documento sobre a visão do Brendan, a palavra Rust aparecia umas 15 vezes", diz Davidson.
Embora Go Wayback seja um jogo de um único jogador (por enquanto), assim como Rust, ele é bem enfático em retratar uma situação de sobrevivência com autenticidade implacável. A cabana do início contém equipamentos básicos de sobrevivência, como um iniciador de fogo, uma tocha, um mapa e uma bússola. Mas você só pode levar o que couber nas mãos e em uma mochila de cordão, e suas roupas não são adequadas para o clima instável e severo que castiga com frequência o terreno de Go Wayback.
Ao contrário da maioria dos jogos de sobrevivência, sua maior preocupação em Go Wayback não é encontrar comida ou água, mas se manter aquecido.
"Queremos priorizar a temperatura como métrica principal", explica Davidson. "Você raramente morre de desidratação em situações reais de sobrevivência. Você também raramente morre de desnutrição, porque leva dias e dias até seu corpo consumir todas as calorias restantes." Embora ainda seja necessário providenciar alimentação e hidratação em Go Wayback, a PLAYERUNKNOWN Productions planeja integrar essas variáveis de forma que alimentem diretamente a mecânica de temperatura. "Quando sua fome e sede diminuem, você perde a capacidade de regular a temperatura do corpo, e então sua temperatura começa a cair mais rápido", conta Davidson.
Por causa disso, a sobrevivência em Go Wayback é guiada principalmente por dois sistemas.
O primeiro deles é o fogo. Go Wayback conta com uma simulação de fogo elaborada. Em vez de simplesmente criar a fogueira ideal a partir de um modelo pré-definido no menu de crafting, você monta uma pilha de materiais combustíveis sobre uma superfície e os acende.
"Há isca, gravetos e combustível", diz Davidson. "Você começa com pedaços de papel e papelão, acende com alguns gravetos por cima. Aí os gravetos pegam fogo, e então você pode colocar toras por cima, e essas toras queimam aos poucos. Depois, é só continuar alimentando a fogueira com algumas toras para que continue queimando e gerando calor. Esse calor fica retido dentro das estruturas."
O motivo pelo qual o sistema funciona assim é, em parte, para manter a autenticidade, mas também para incentivar a criatividade do jogador. É possível fazer fogo com praticamente qualquer coisa que seja intuitivamente combustível em Go Wayback, como livros de capa dura que você encontra na sua cabana ou porta-copos que foram deixados na mesa. Da mesma forma, é possível acender fogueiras com qualquer fonte de ignição. Geralmente, isso pode ser feito com o iniciador de fogo que você pode carregar, já que é leve e portátil. Mas também é possível usar as bocas do fogão da cabana, desde que a eletricidade esteja funcionando.
Há algumas limitações. Você não pode simplesmente incendiar a cabana inteira, por exemplo. "Isso exigiria um sistema de integridade estrutural, o que envolveria muita física", explica Davidson. Ainda assim, há um tipo de "feedback físico" para objetos que, logicamente, deveriam queimar, mas não queimam. "Se você acender uma fogueira ao lado da parede da cabana, ela vai escurecer, vai ficar preta", continua. É um efeito que a equipe espera implementar de forma mais aprofundada no futuro.
O outro sistema-chave relacionado à sobrevivência é o clima. Go Wayback traz uma simulação detalhada de chuva, vento, neve e granizo, e todos esses elementos podem (ou poderão) afetar tanto o ambiente quanto o estado físico do seu personagem. O exemplo mais simples é que, quando chove, seu personagem (e o cenário ao redor) ficam molhados. Isso faz com que a temperatura do corpo caia mais rápido e dificulta a ignição de materiais combustíveis. Por isso, ao carregar lenha ou iscas de fogo, é essencial mantê-las dentro da mochila para que fiquem secas.
Mas o clima influencia a sua experiência de outras formas também. Ao abrir a porta da cabana no início, você consegue ver o vento entrando pela fresta, e percebe como isso diminui a temperatura interna do local. Fechar a porta resolve esse problema imediato, mas, para bloquear o vento que entra pelas janelas quebradas, você vai precisar encontrar madeira e pregar sobre o vidro estilhaçado.
"O clima é dinâmico, e a gente não o controla", diz Davidson. "Isso quer dizer que coisas como abrigos surgem naturalmente a partir dos objetos no mundo. Você pode andar até uma formação de rochas, por exemplo, e ver que uma pedra caiu sobre outra e, embaixo dela, você percebe que não está caindo chuva."
Há planos ainda mais ambiciosos para o sistema climático de Go Wayback. Enquanto você explora o mundo do jogo, é comum encontrar trechos de lama que reduzem a velocidade do seu personagem. Em algum momento, Greene quer que essas poças de lama sejam geradas dinamicamente pelas tempestades de chuva do próprio jogo.
Além disso, a equipe quer que as tempestades de granizo de Go Wayback incluam pedras de gelo gigantes, do tamanho de maçãs, capazes de causar dano ao jogador. Apesar de essas pedras ainda não estarem fisicamente presentes no jogo, o áudio já está lá: você pode ouvi-las batendo com força no telhado das cabanas de Go Wayback. "Precisamos descobrir como fazer com que as pedras de granizo atinjam o chão ao redor do jogador e do cenário e, quando uma te acertar, você consiga relacionar isso com o que está vendo e ouvindo ao redor, para não pensar 'por que isso está acontecendo comigo?'", explica.
O que temos até agora é, na prática, um simulador de trilha especialmente cruel, em que você precisa chegar à torre meteorológica, buscando abrigo e itens úteis pelo caminho. Nessa missão, a navegação tem um papel fundamental. Seu mapa mostra locais importantes, como a cabana onde você começa e outras cabanas onde é possível encontrar abrigo. Mas ele não marca sua localização atual, o que significa que você precisa deduzir onde está usando a bússola e observando a geografia do terreno.
Devido ao tamanho do mapa, encontrar pontos de interesse pode ser surpreendentemente difícil, e sua situação pode mudar drasticamente no meio da caminhada pela natureza selvagem. A chegada da noite pode deixar você completamente desorientado no escuro, enquanto uma nevasca ou tempestade repentina pode congelar seu personagem em poucos minutos. Até mesmo uma simples subida pode se tornar traiçoeira, afinal, um pouco mais de inclinação pode fazer com que seu personagem escorregue e morra.
Só quando você morrer (e você quase certamente vai) é que verá o maior truque de Go Wayback. Ao contrário de DayZ e PUBG, o mapa de Go Wayback não é feito à mão. Ele é gerado dinamicamente a cada nova partida. Além disso, esses mapas não são criados com geração procedural convencional. Em vez disso, são gerados usando machine learning baseado em grandes modelos de linguagem, ou, como é mais comumente chamado hoje, Geração por Machine Learning.
Controvérsias
Embora Go Wayback não utilize o mesmo mecanismo gráfico que futuramente será usado no Project Artemis, já incorpora a tecnologia personalizada de geração de terrenos da PLAYERUNKNOWN Productions, uma parte fundamental do mecanismo, desenvolvida com base em técnicas de machine learning. Greene se interessou pelo uso de machine learning por causa do tamanho praticamente inviável dos mapas que queria criar.
"Quando tentamos fazer um mapa de 100x100 quilômetros, percebemos que não dava pra fazer do jeito tradicional. Só pra armazenar essa quantidade de dados, você teria que enviar HDs físicos para as pessoas", explica Greene. "E então pensei: não dá pra usar um mapa em baixa resolução para informar como deve ser o de alta resolução, e assim gerar o mapa inteiro, mesmo sendo gigantesco? Os pesquisadores, na época, disseram: 'Sim, machine learning consegue fazer isso.'"
Embora Prologue: Go Wayback! não exija mapas desse tamanho, segundo Joey Faulkner, Engenheiro Sênior de Pesquisa em Machine Learning da PLAYERUNKNOWN, há outras vantagens em usar essa abordagem para gerar paisagens, principalmente quando se trata de variedade. Faulkner explica que algoritmos convencionais de geração procedural funcionam com base em regras fixas, o que acaba produzindo padrões que ficam fáceis de reconhecer com o tempo. "A oportunidade que temos com machine learning é deixar de definir regras fixas e migrar para essa 'caixa preta' que pode gerar praticamente qualquer coisa."
Antes de seguir mais a fundo, vamos encarar o problema de frente. O uso de tecnologias de geração via ML (tanto no desenvolvimento de jogos quanto de forma geral) é um tema controverso, sobretudo quando falamos de ferramentas de IA de uso geral, como ChatGPT ou Midjourney. As preocupações abrangem desde questões de direitos autorais relacionados aos dados usados para treinar essas ferramentas, até o impacto ambiental de sua operação, a qualidade do conteúdo gerado e o temor de substituição da mão de obra humana.
No caso da tecnologia de machine learning da PLAYERUNKNOWN, no entanto, há algumas ressalvas importantes. A tecnologia usada pelo estúdio é própria, desenvolvida internamente. Ela foi criada com um propósito específico: gerar paisagens para os jogos do estúdio. Essas paisagens são geradas localmente, no computador onde o jogo está sendo executado (ou seja, não depende de uma infraestrutura de servidores massiva e com alto consumo energético). Além disso, o machine learning é treinado com dados públicos de ciências da Terra, de fontes como a NASA. E, por fim, Greene afirma que a PLAYERUNKNOWN Productions evita o uso de IA em outras áreas.
"Procuramos não usar IA generativa no processo artístico. Vejo que há vantagens no uso de machine learning e IA generativa, por exemplo, na criação de texturas. Para um mundo com a escala da Terra, ter um agente capaz de gerar uma textura nova e única para cada árvore do jogo é algo que me interessa, porque traz variedade”, explica ele. "Mas somos muito cuidadosos com o uso. Chegamos a discutir o uso de IA para vozes, em certos casos, mas desistimos. Queremos usar artistas de verdade."
Mesmo na área específica em que o estúdio utiliza machine learning, a tecnologia não substitui o fluxo criativo tradicional. De fato, como a PLAYERUNKNOWN Productions descobriu, deixar a geração via machine learning funcionando por conta própria não resulta em cenários de jogo interessantes.
"Se você deixar o machine learning fazer o que quiser, ele cai no chamado 'mais do mesmo', em que tenta gerar só coisas muito normais e genéricas", explica Faulkner. "Então pensamos: 'Como podemos codificar elementos interessantes de gameplay definidos por designers de jogos ou conteúdos gerados proceduralmente?'"
O sistema utilizado em Go Wayback é chamado pelo estúdio de "Guided Generation" (Geração Guiada), que consiste em uma combinação de geração procedural, machine learning e o bom e velho trabalho artístico manual.
"Tudo começa com a geração do heightmap (mapa de elevação) feita por ML toda vez que o mapa é criado", explica Alexander Helliwell, artista sênior de ambientes da PLAYERUNKNOWN Productions. "Com base nisso, definimos o surgimento dos diferentes biomas nos locais adequados. E dentro de cada bioma, a paisagem é formada por blocos modulares, que nós mesmos criamos."
A paisagem que os jogadores exploram em Go Wayback é inspirada no Bohemian Switzerland National Park, na República Tcheca, uma área de relevo acidentado e penhascos de arenito, que também serviu como referência para o mapa original Chernarus de Arma 2/DayZ. Segundo Helliwell, essa área não foi escolhida por qualquer significado espiritual, mas sim pela grande variedade geográfica concentrada em uma área que é relativamente pequena.
"Queremos expandir o caminho do jogador, transformá-lo quase em um labirinto", ele conta. "Esteticamente, uma floresta com terreno acidentado, em que você precisa fazer trilhas difíceis, já comunica uma sobrevivência intensa."
O algoritmo de ML da PLAYERUNKNOWN é treinado com dados reais, disponíveis publicamente, dessa região. Segundo Faulkner, esses dados são "aumentados" em pequena e média escala com geração procedural, em um processo liderado pela equipe de arte. A diferença entre esse sistema e a geração procedural convencional é que ML consegue fazer suposições sobre como uma paisagem deveria ser, algo que algoritmos tradicionais baseados em regras não conseguem fazer.
Por exemplo, o sistema de Geração Guiada de Go Wayback foi projetado para incorporar verticalidade aos mapas, o que resulta em ambientes mais dramáticos e interessantes de explorar para os jogadores. Como Go Wayback se passa em cenários que imitam paisagens naturais, os algoritmos que definem essa verticalidade são baseados em redes naturais de drenagem, ou seja, em como a chuva escorre para riachos e rios, erodindo o terreno e formando montanhas e vales no processo.
Dessa forma, a geração do mapa de Go Wayback é "guiada" por diagramas de cima para baixo criados por artistas, que indicam onde devem existir rios e montanhas. A partir desse esquema simples, o sistema de ML é capaz de gerar milhões de heightmaps únicos. "Estamos percebendo que surgem sub-rios em Go Wayback que a gente nem pediu", comenta Faulkner. "Desenhamos um rio principal, e o modelo de machine learning entende: 'Bom, um rio tão largo assim deveria ter afluentes', e então começamos a ver isso aparecendo nos resultados gerados."
O sistema de Geração Guiada de Go Wayback traz muitos benefícios, mas também apresenta os desafios de lidar tanto com um sistema de machine learning quanto com o pipeline artístico tradicional. No caso do ML, Go Wayback também não está imune aos bugs e glitches comuns em outros programas de IA. "Teve uma parte do mapa em que surgiu um quadrado", relata Faulkner. "O mapa estava todo normal, e de repente havia um cubo de terra flutuando acima do terreno. Até hoje não faço ideia de onde aquilo saiu."
Ao mesmo tempo, Helliwell enfrenta o desafio de garantir que as paisagens de Go Wayback mantenham uma composição artística interessante, não importa o que o sistema de geração crie. "Estamos identificando momentos no jogo em que pensamos: 'Ah, isso ficou ótimo nesse local, isso ficou lindo naquela hora do dia. Por que será que isso funciona? Por que será que esse lugar não funciona?'. É um constante processo de ida e volta, testando o que deve funcionar nos próximos bilhões de mapas.
Como o cenário de Go Wayback é familiar e as paisagens são densamente florestadas, é difícil, para quem não é da área, entender exatamente o trabalho que está sendo feito pela tecnologia. Ainda assim, os contornos e relevos dos mapas de Go Wayback lembram muito mais os cenários criados à mão de Arma 2 do que, por exemplo, os planetas de No Man's Sky, o que é significativo, considerando que o objetivo final é gerar mapas com escala planetária.
No fim das contas, a PLAYERUNKNOWN Productions usa machine learning porque acredita que é a ferramenta certa para o que querem construir. Porém, Faulkner também espera que o projeto sirva como exemplo de uso responsável do machine learning, em contraste com o modo como ele vem sendo aplicado em outras áreas. "Hoje, a IA generativa é vista como uma usina nuclear, alimentando data centers gigantescos que, no fim, entregam para você uma receita de sopa de tomate. Mas tudo que estamos fazendo aqui para criar esses mundos com a Geração Guiada roda diretamente no seu hardware", ele conta.
"Quando penso no futuro do machine learning, mesmo agora, com gente dizendo que 'A AGI [Inteligência Artificial Geral] está logo ali', acredito que o que estamos fazendo aqui é uma versão muito mais realista de como o machine learning pode ser integrado ao mundo no futuro", Faulkner continua.
Wayback Machine
Como alguém que passou dezenas de horas caminhando por Chernarus, em DayZ, a ideia de enfrentar os elementos em uma paisagem semelhante, mas que se renova a cada nova partida, tem um apelo inegável.
No entanto, comparado a outros jogos de sobrevivência, Go Wayback é, de fato, limitado em termos do que o jogador pode fazer, pelo menos em seu estado atual. Não há animais para caçar (ou que te cacem). Não há combate, nem enigmas além da navegação. E também não há sistema de crafting, pelo menos não da forma como conhecemos em outros jogos do gênero. Isso é algo que o próprio Greene reconhece. "Recebemos alguns feedbacks do tipo 'Não tem muita coisa pra fazer', e é verdade. No momento, realmente não há muita coisa acontecendo no mundo."
Mas essa versão de Go Wayback está longe de ser o produto final. Quando for lançado, Go Wayback chegará em acesso antecipado, e a equipe estima um período de dois anos em alpha antes de chegar à versão 1.0.
Davidson é cauteloso ao falar sobre o que exatamente será adicionado a Go Wayback após o lançamento em acesso antecipado, em parte porque a versão de estreia ainda não está completamente definida, mas também porque o desenvolvimento será guiado pelo que os jogadores quiserem. "Nosso roadmap será um pouco mais aberto e orientado pela comunidade", explica ele. "Então caberá a nós priorizar essas demandas e garantir que consigamos entregá-las em tempo hábil."
De forma geral, o plano é expandir bastante a estrutura básica de sobrevivência que já existe. "Você reparou que há um sistema de eletricidade nas cabanas, e que existem fusíveis? Em determinado momento, você poderá abastecer o gerador. Também queremos adicionar itens como tomadas, para que você possa ligar aparelhos", comenta Davidson. "A ideia é que o jogador chegue em uma cabana e pense: 'Essa cabana é boa, vou tentar melhorá-la. Achei uma mesa legal naquela outra cabana, vou trazê-la pra cá. Vou transformar aqui no meu lar, para poder pescar, caçar e fazer tudo o que se faz em uma experiência de sobrevivência real.'"
Além disso, há recursos que a equipe gostaria de adicionar (ou que pelo menos está considerando trazer) para Go Wayback. Davidson comenta que Greene gostaria de ver a possibilidade de derrubar árvores no jogo, mas ele próprio não tem certeza se isso se encaixa no estilo particular de sobrevivência proposto por Go Wayback. "Você já tentou cortar uma árvore? É extremamente difícil."
Greene também quer adicionar o modo multijogador em algum momento. "Eu gostaria que tivesse modo cooperativo, para quem quiser jogar dessa forma", comenta Greene.
Algo que com certeza vai chegar a Go Wayback é uma narrativa mais elaborada. O roteiro foi escrito pelo próprio Greene. É a primeira vez que ele assina a história de um de seus jogos e descreve o processo como sendo de "grande dificuldade". Ele ainda não decidiu como a história será implementada em Go Wayback, mas diz que terá um "toque leve". "Eu estava até mesmo considerando fazer um gibi. Como se fosse uma história em quadrinhos de três volumes que contasse a história, e os jogos se passariam dentro desse universo."
De fato, um dos elementos-chave da narrativa de Go Wayback é que o jogo não se passa no mundo real. "Queremos deixar claro que tudo se passa em um espaço virtual", afirma Greene. "Temos essa ideia de, na borda do mundo, aplicar um efeito de lavagem de dados para deixar evidente que este não é um espaço real."
Greene também revelou alguns pontos mais específicos do enredo em que está trabalhando. "A história é sobre um pai que tenta enviar uma mensagem para sua filha", diz ele. "É uma versão hackeada de um jogo mais completo dela, que ele está usando para transmitir a mensagem." Ele não confirma se Lucy, a personagem jogável de Go Wayback, é a filha nesse cenário.
Embora seja reservado ao compartilhar detalhes, Greene já deu algumas pistas públicas sobre elementos da narrativa em outras ocasiões. "O motivo pelo qual o jogo se chama Go Wayback é porque eu escondi pistas no cabeçalho e nos primeiros tweets da conta oficial de Go Wayback que apontavam para o arquivo da conta no Wayback Machine", explica ele.
"Ninguém percebeu. Criei um ARG ruim que ninguém percebeu. Até coloquei código Morse no rodapé da imagem de cabeçalho de Go Wayback." Apesar disso, Greene manteve o nome. "No nosso universo, o nome Go Wayback simplesmente funcionava. A ideia era ser uma visão de um mundo dos anos 80, como seria imaginado em algum momento do futuro."
Meta-versus
A história de Go Wayback também não é totalmente autocontida. Os fios narrativos vão, eventualmente, conectar Go Wayback ao Project Artemis. Mas a PLAYERUNKNOWN Productions não vai pular diretamente de um projeto para o outro. Entre esses dois títulos, haverá o que Greene chama de "Game Two".
Ele não revela muitos detalhes sobre que tipo de jogo será, mas a ideia inicial é algo como um jogo de tiro em primeira pessoa ou um jogo de estratégia em tempo real inspirado em Command & Conquer, que envolveria dezenas ou até mesmo centenas de jogadores, algo como "Command & Conquer, mas em primeira pessoa". Ele comenta que o jogo será "feito no nosso mecanismo" e que a ideia é usá-lo para experimentar "sistemas de mercado, trocas e propriedade digital".
Ao mesmo tempo, Greene também tem a ideia de “anexar” o jogo anterior dentro do próximo projeto. "Game Two deveria ser jogável dentro de Game Three, certo? São apenas camadas do que estamos construindo", explica. "Eu adoraria poder jogar Go Wayback dentro do nosso próprio mecanismo em algum momento. Talvez no Game Two, não sei ao certo."
Com isso, é possível que Game Two acabe se tornando uma mistura de Rust com Command & Conquer, onde os jogadores evoluiriam da sobrevivência básica até coordenar ataques mecanizados a bases usando tanques e helicópteros construídos por eles mesmos.
Seja qual for o formato final de Game Two, ele servirá de palco para Game Three, também conhecido como Project Artemis. Greene imagina o Project Artemis como uma internet 3D, que os jogadores poderão explorar em primeira pessoa, usando o mecanismo Melba para criar seus próprios mundos jogáveis.
"O objetivo final da Melba é permitir que todos criem seus próprios mundos digitais, ou existam em um deles, como em uma camada de sobrevivência do Minecraft", conta. Essa é a meta: construir um espaço de criação de mundos, onde a internet seja em 3D, e cada mundo funcione como se fosse uma página."
Quanto ao que os jogadores poderão fazer nessa internet tridimensional, a ideia é que possam construir suas próprias experiências, muito parecido com o que os jogadores de Minecraft fazem hoje, com sistemas de sobrevivência atuando como uma camada opcional que cada usuário poderá ativar ou desativar. "Gostaria de criar uma estrutura no estilo de um MMO de Civilization, onde você pudesse simplesmente fazer do mundo o seu mundo", diz Greene. "Você poderia criar vilas e cidades, quase como em Cities: Skylines." Naturalmente, isso envolveria um elaborado sistema de construção. "Quero que as pessoas possam construir, por exemplo, a Millennium Falcon usando madeira, como fizeram em Valheim."
Essa experiência multifacetada aconteceria em modo multijogador em massa, com milhares (senão milhões) de pessoas coexistindo no mesmo mundo. Mas Greene também gostaria de incluir companheiros de IA para ajudar a povoar ainda mais o ambiente, auxiliando os jogadores nas tarefas mais repetitivas. "Não quero que o ciclo principal, como acontece na maioria dos jogos de sobrevivência, seja apenas gastar horas coletando recursos."
Esses companheiros de IA poderiam ser alimentados por "pequenos LLMs" (modelos de linguagem de pequena escala), permitindo que os jogadores conversem com eles e que "aprendam" sobre o jogador, embora Greene ainda não tenha total certeza sobre essa implementação. De qualquer forma, à medida que as comunidades de jogadores e NPCs fossem se expandindo, Greene imagina que elas seriam capazes de criar suas próprias atividades, "permitindo que você transforme sua parte do mundo em uma pista de motocross, ou em um jogo de tiro em primeira pessoa dentro de um arranha-céu abandonado".
É um conceito que poderia ser resumido como um metaverso, embora Greene prefira evitar o termo. "Metaverso é uma palavra muito carregada, então tento não usá-la sempre que posso", diz. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que o conceito de metaverso acabou se associando a projetos questionáveis de Web3 e blockchain, sendo que, sobre o blockchain, Greene comenta que "é interessante como um livro-razão descentralizado", mas não é algo que ele planeja incorporar ao Project Artemis.
O Project Artemis, no entanto, terá uma camada financeira, que será a principal fonte de receita da PLAYERUNKNOWN Productions após o lançamento do jogo. Como quase tudo relacionado ao Project Artemis, o plano para essa camada ainda é um pouco vago, mas Greene imagina que a PLAYERUNKNOWN Productions em algum momento se tornaria o equivalente da MasterCard dentro do Project Artemis.
"Tudo ainda é muito imaginativo, mas eu vejo o mecanismo sendo transferido para uma fundação sem fins lucrativos, como o World Wide Web Consortium", explica. "Depois disso, nos tornaríamos uma empresa de conteúdo e uma plataforma, administrando a camada de transações e o marketplace."
Pés no chão
Tudo isso ainda está bem distante no futuro. Go Wayback ainda tem, basicamente, um ciclo completo de desenvolvimento pela frente. "Estamos falando de mais de um ano em acesso antecipado", diz Davidson. "Depois disso, mais alguns anos de suporte pós-lançamento oficial. Ainda estamos definindo tudo."
A forma como a PLAYERUNKNOWN Productions vai desenvolver o Game Two e o Project Artemis depende diretamente do desempenho comercial de Go Wayback. Na verdade, Greene afirma que parte do motivo para dividir o plano em três jogos é justamente para "reduzir os riscos ao máximo".
"Temos Go Wayback, que esperamos que financie o desenvolvimento do Game Two. Também estamos buscando investimento neste momento", conta ele. "Quero blindar a equipe da pressão de ter que criar produtos apenas para vender, porque isso muitas vezes acaba com ideias realmente boas."
No curto prazo, os objetivos de Greene são mais modestos. Prologue: Go Wayback! está passando por rodadas de testes pré-alpha no momento. "O que eu espero, neste momento, é que os dados que vamos obter mostrem que o ciclo principal do jogo (game loop) está estável quando formos lançar o acesso antecipado", diz ele.
"É isso que espero alcançar com o lançamento em acesso antecipado, pelo menos. Só quero entregar algo que seja estável e prazeroso de jogar", explica. "A jogabilidade está lá. Ainda precisa de polimento. Ainda precisa de balanceamento. Mas gosto de jogar, e hoje em dia não há muitos jogos que eu realmente gosto de jogar."
"Teve um cara no nosso Discord que resumiu perfeitamente. Ele disse: 'Sabe, eu nunca entendi por que as pessoas jogam Euro Truck Simulator, mas eu sou trilheiro, e agora entendi'. Acho que há jogadores suficientes por aí que também vão entender."